Caso de Bioética. Fin de la vida.
Não Alimentar, Nem Hidratar.
Aos vinte e seis anos de idade mulher sofre parada cardíaca em conseqüência de desordem alimentar grave (queda dos níveis de potássio, causada possivelmente por bulimia), culminado em danos cerebrais irreversíveis e, segundo vários especialistas consultados, estado vegetativo persistente, que se mantém há quinze anos.
Apesar de respirar sem ajuda de aparelhos, passa a depender de sondas alimentares e de hidratação inseridas no estômago (gastrostomia). Anos depois da parada cardíaca, seu marido (e guardião lega) apela á Justiça, pedindo que o equipamento seja desconectado, garantindo que, quando saudável, a esposa havia confidenciado o desejo de morrer, caso ficasse em situação semelhante.
Os pais dela, no entanto, contestam a versão, baseados no fato de que a filha não havia deixado nada por escrito a respeito de que desejaria. Acreditam em recuperação parcial: a paciente parece sorrir e querer comunicar-se - o que, segundo especialistas, não passam de movimentos involuntários.
Inicia-se, então, batalha judicial de mais de uma década, com direito á participação do governador de Estado – que tentou criar uma lei voltada á manutenção da vida de pessoas incapacitadas de responderem por si mesmas-; do presidente da República e até do Papa, para quem hidratação e alimentação, ainda que artificiais, soa direitos inalienáveis do ser humano.
Depois de grande como cão popular, a situação teve como desfecho a vitória do marido nos tribunais, quando foi retirada a gastrostomia, atitude que resultou em morte por inanição e desidratação.
EIXO CENTRAL- Limites dos limites de tratamento.
Pergunta-base: No Brasil, alimentação e hidratação correspondem a direitos do paciente, seja qual for a situação?
Argumentos:
• O direito brasileiro considera a vida como bem jurídico indisponível. Porém, há casos em que o entendimento jurídico poderia ser o de que não há bem jurídico, porque não há vida a preservar.
• A Constituição Federal garante aos cidadãos o direito á inviolabilidade do direito á vida. Baseado nesta idéia, o ato de suspender a alimentação poderia ser classificado como homicídio culposo, caracterizado por conduta voluntária (ação ou omissão), que produz um resultado não desejado, mas previsível e que podia ser evitado com a devida atenção.
• No entanto, o direito á vida não pode ser visto isoladamente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que possui diversos princípios norteadores, como o da dignidade da pessoa humana e a proibição de tratamentos desumanos ou degradantes ( A Constituição da República, por exemplo, assegura no Art. %, inciso III, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano.
• O Código Penal (Art.122) não se refere á eutanásia e nem á conduta do suicida, mas pune aquele que, de uma forma ou de outra, leva terceira pessoa a suprimir a própria vida.
• Para o jurista Martins, I:G: ( no site Revista do Direito), “o homem não tem o direito de tirar a vida do seu semelhante, mas desligar aparelhos não é matar. Não há polêmica porque não há choque nenhum com o direito canônico ou o direito natural. O direito á vida é o direito de se manter vivo com os próprios meios”.
• Desde o caso Nancy Cruzan (jovem que em 1990, após acidente automobilístico, ficou em estado de coma vegetativo, respirava sem a ajuda de aparelhos, mas necessitava de sondas para alimentar-se) é entendimento da Suprema Corte norte-americana que a alimentação e a hidratação via sondas são práticas integrantes de um tratamento médico. Ou seja, passíveis de interrupção se o paciente assim o quiser ou deixar expressada sua vontade.
• O papa João Paulo II afirmou que continuar alimentando e hidratando artificialmente pessoas em estado vegetativo persistente é uma “obrigação moral” ainda que tal condição perdure por anos a fio. No entanto, a Santa Sé já declarou publicamente considerar desnecessário prolongar o sofrimento, de maneira dolorosa e inútil, sem que haja resposta ao tratamento.
• A Lei Estadual (SP) 10.241/99, mas conhecida como Lei Covas, dispõe sobre direitos dos usuários dos serviços de saúde ( inclusive o de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados.
• Há vários artigos do Código de Ética Médica que poderiam ser aplicados ao caso, dependendo da interpretação. Entre eles: Art. 6 – O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade; Art. 50 – É vedado ao médico fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que facilitem a prática de tortura ou outras formas de procedimentos degradantes, desumanas ou cruéis em relação á pessoa; Art. 51- É vedado ao médico alimentar compulsoriamente qualquer pessoa em greve de fome que for considerada capaz, física e mentalmente, de fazer juízo perfeito das possíveis conseqüências de sua atitude. Em tais casos, deve o médico faze-lo ciente das prováveis complicações, do jejum prolongado e, na hipótese de perigo de vida iminente, tratá-la.
Eixo Secundários.
Limites de tratamento a pacientes que não estão em perigo de morte iminente.
• Autonomia do paciente em iminente risco de morte.
• Alimentação compulsória a pacientes conscientes ou inconscientes.
• Instruções relativas a final de vida formuladas em período distante ao da morte.
• Como contemporizar opiniões divergentes da família quanto a final de vida?
Situações que poderão ser levantadas.
• Se este caso tivesse acontecido no Brasil e se a esposas, realmente, tivesse deixado manifestação por escrito, a gastrostomia poderia ser retirada?
• Supondo que não existisse conflito familiar, seria lícito desligar aparelhos de paciente estável, em estado vegetativo há anos?
• Deveria a doente ser encaminhada para casa, a fim de que a família assumisse parte da responsabilidade pela decisão(de retirar ou não a gastrostomia)?
Discussão.
Nos Estados Unidos, onde o fato ocorreu, toda a discussão centrou-se na divergência entre os pais e o marido da paciente quanto a ela ter ou não manifestado com clareza – antes de entrar em coma- que não desejaria que nessas condições sua vida fosse prolongada com recursos artificiais. Se, por exemplo, houvesse outras testemunhas ou uma manifestação por escrito da paciente em esse sentido, a gastrostomia poderia ser retirada, sem maiores questionamentos legais.
De fato, naquele país a Suprema Corte decidiu, em um caso concreto de paciente em estado vegetativo persistente (EVP, definido como “uma condição clínica de completa ausência de percepção de si o do ambiente, acompanhada de ciclos de sono e vigília, com preservação parcial de funções autonômicas do hipotálamo e tronco cerebral”) que a alimentação e a hidratação artificiais não são diferentes de outros tratamentos médicos (soma-se a essa a conclusão a de que pacientes em EVP não tem capacidade cerebral cortical Corte já havia decidido, na terceira década do século XX, que uma pessoa competente para decidir pode recusar-se a receber tratamento médico, independentemente de estar ou não em fase terminal de uma doença.
Já o Conselho de Assuntos Éticos e Judiciais da Associação Médica Americana opinou que “mesmo quando a morte não é eminente, mas a coma é sem dúvida irreversível e há salvaguardas suficientes para confirmar a acurácia do diagnóstico, e com a concordância dos responsáveis pelos cuidados ao paciente, não é antiético interromper todos os tratamentos de prolongamento da vida. Tratamento de prolongamento da vida incluem medicamentos, e respiração, ventilação ou hidratação artificiais”.
Tivesse o caso ocorrido no Brasil, a discussão seria muito diferente. Duas vertentes podem ser examinadas separadamente: seria ética e legalmente justificável a retirada da gastrostomia? Em caso positivo, em que tipos de pacientes? Apenas naqueles com doenças consideradas terminais ou também em outros, como em EVP?
Uma Resolução do Conselho de Medicina (CFM) sinaliza o alcance da discussão ética em relação ás duas questões suscitadas, mas, como veremos, não a esgota. De fato, a Resolução CFM 1805/06, afirma, em seu ARt. 1, que “ é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida de doente em fase terminal de doença grave e incurável, respeitada a vontade de pessoa ou de seu representante legal”.
Fica claro o balizamento ético de CFM restringe a limitação ou suspensão de procedimentos ou tratamentos a determinado e específico tipo de situação, no qual a paciente em discussão não se enquadraria, já que não havia qualquer possibilidade e prever por quanto tempo ele poderia sobreviver se a alimentação e a hidratação continuassem.
Por outro lado, ainda que tratasse de paciente enquadrada clinicamente nos limites da Resolução, caberia a discussão – incipiente entre nos- se a alimentação e a hidratação artificiais são consideradas tratamentos médicos. Os avanços da tecnologia tem sido tão rápidos nas últimas décadas que parece-nos temerário fazer alguma distinção entre a alimentação por sonda ou por gastronomia pode determinar eventos adversos, como pneumonia aspirativa e diarréia.
Assim, como o objetivo final de qualquer conduta terapêutica é beneficiar o paciente, cabe sempre considerar, em cada caso, se a alimentação e a hidratação artificiais serão efetivamente benéficas. Muitas vezes, especialmente em pacientes terminais, limitar nutrição e hidratação é uma questão mais médica que moral. Por exemplo, pode ser necessário manter a hidratação destes pacientes para possibilitar a administração de drogas.
Também sob o aspecto jurídico o caso seria muito mais controvertido no Brasil. Quanto a pacientes terminais, vários juristas sustentam a licitude de interrupção de medidas de prolongamento de vida. Afirmam, por exemplo, que “quando o médico interrompe cuidados terapêuticos por serem já inúteis, falta-lhe o dever jurídico para agir, não se motivando aí qualquer punição” ou “a omissão do médico não caracteriza ato delituoso face á ausência de dever jurídico, se a saúde era objetivo inalcançável” ou ainda: “não há dever jurídico de prolongar uma vida irrecuperável”. Entretanto, não há ainda jurisprudência (ou legislação) firmada no Brasil e alguns juristas ainda defendem a tese de que o desligamento de aparelhos em caso de paciente terminal configura exemplo de homicídio por omissão.
Cabe salientar, também, que não há no Brasil, ao contrário dos EUA, a caracterização de alimentação e a hidratação artificiais como procedimentos médicos.
No Estado de São Paulo, uma Lei de 1999 pode ser invocada na presente discussão. Essa Lei, que trata de direito do paciente “recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários de prolongamento da vida”. Percebe-se que não há definição quanto ao significado de tratamentos “dolorosos ou extraordinários”. A alimentação e a hidratação artificiais poderiam incluir-se na categoria de “extraordinários “? Em nossa opinião, sim.
A complexidade do caso é ilustrada, também, por uma controvérsia religiosa. A Igreja Católica, intransigente defensora da sacralidade da vida, há décadas- e reiteradamente- vem enfatizando que “é lícito, em consciência, tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes” (Papa Pio XII) e mais recentemente- que “a renúncia a meios extraordinários ou desproporcionais de prolongamento de vida não equivale ao suicídio ou á eutanásia; exprime, antes a aceitação da condição humana diante da morte” ( Papa João Paulo II).
Entretanto, aparentemente motivado pelo caso que estamos discutindo, o próprio João Paulo II afirmou que pacientes em coma permanente são “sempre humanos” e que a nutrição e hidratação médicas (artificiais) representam “cuidados básicos” e “não um ato médico”, sendo, por isso, a sua manutenção uma “obrigação moral”.
Tomado del libro Bioética Clínica, Reflexões e Discussões sobre Casos Selecionados.
CREMESP, Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. 2008
jueves, 11 de junio de 2009
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De acordo com o caso apresentado, muitas são as discussões e divergências entre os próprios familiares, no caso o marido e os pais da mulher.
ResponderEliminarA justiça concede ao marido, o pedido de desligar os aparelhos, para que a esposa, possa enfim, como o próprio marido disse, respeitar a vontade de sua esposa, que manifestou, caso estivesse em tal situação (vegetativa) que não a mantivesse em tal estado.
Ao médico, cabe respeitar a decisão do representante legal, o marido.
De acordo com a resolução CFM 1805/06, Art. 1, “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida de doente em fase terminal de doença grave e incurável, RESPEITADA A VONTADE DE PESSOA OU SEU REPRESENTANTE LEGAL”.
No caso, se eu fosse o médico, e sabendo que tal estado é irrecuperável, acataria a decisão da pessoa legal, o marido, e desligaria os aparelhos.